Você trabalha de graça? Por quê?
Modelo aceitável (e aceitado) por décadas, o trabalho em troca de promessas, hype ou portfólio começa a ser questionado. Ufa!
Não passa uma semana sem que eu leia um post no Linkedin – geralmente publicado pelos mais jovens – sobre os absurdos das propostas indecentes e dos trabalhos sem remuneração. Admito, sempre comemoro. Especialmente na área na qual passei boa parte da minha vida (a escrita), a realidade do trabalho não pago (ou desproporcionalmente mal pago) sempre dominou. Em troca do hype, da promessa, da esperança. E posso dizer com propriedade: promessas não se cumprem em 99,99% das vezes e o hype (quase) nunca te leva tão longe. Sabe aquele papo do "vamos apostar nesta para um futuro patrocínio que remunere"? É furada: job que nasce como loteria não vira bilhete premiado.
Vejo, hoje, uma boa parte da minha geração das redações de jornalismo em carreira própria. E não cabe aqui nenhuma crítica a nenhum dos lados – nem aos que foram nem aos (raros e bons) que ficaram –, porque acredito que cada pessoa tem um perfil, uma personalidade, uma prioridade. Mas não tem casualidade nenhuma neste movimento voo solo: todas aquelas que trabalhavam bem ganham infinitamente mais e trabalham menos do que nos tempos do modelo tradicional.
Outro agravante que desequilibra esta equação foi a não percepção da força do capital social como verdadeiro produto. Uma revista, uma agência e uma consultoria não sobrevivem sem as mentes pensantes por trás delas. Quando veículos de imprensa, por exemplo, passaram a não ter conteúdo espontâneo em qualidade e quantidade suficientes como alicerce para suas páginas publicitárias, a parte mais poderosa desta roda, o público consumidor, sumiu. E deixou uma lacuna importante no quebra-cabeça.
Sempre digo e repito com a percepção de leitora voraz e ex-membro de redação: não foram (só) as redes sociais que mataram as revistas, foi o próprio modelo de negócios delas que não se sustentou. Faltou valorização de profissionais, faltou ênfase no conteúdo que o público gosta, faltou o departamento comercial entender que ele é que paga as contas, porém só até a página dois... Sem boas matérias, desaparecem os leitores, desaparecem os anunciantes, desaparecem as marcas. E desaparece a relevância que fazia deste "o emprego que um milhão de garotas mataria para ter".
Quem quer vitrine, portfólio e salário no mercado criativo já tem outras maneiras de consegui-los. A conta não fecha mais. Talvez nem mesmo tenha fechado um dia... Há, sim, algumas raras exceções à teoria (há?!): início de carreira, falta de networking, fato pontual. Mas a geração Z vem nos ensinando que, na era do digital, o trabalho de criação é um produto valioso. E que aquele show de ideias que você vai dar na reunião e aquela ampla pesquisa que você vai produzir para uma coluna podem – e devem – ser feitos para seu próprio espaço.
"Quanto mais fácil o texto é de ler, mais difícil ele é de escrever.", Luis Cosme Pinto, cronista, no programa Antena Paulista
Por onde anda a geração Z...
Se você quer saber o que está acontecendo e o que está por vir, sugiro fortemente que preste atenção na geração Z – e eu arrisco-me a dizer que todos deveríamos querer saber, pelos mais diversos motivos. Depois de deixarem o Facebook para os avós e o Instagram para os pais, migrando para o Tiktok e até mantendo o Snapchat, eles dão um pivô e trazem novo uso para a rede mais popular de Zuckerberg.
A tendência da vez das meninas gen Z no Instagram é o "daily": um perfil à parte, fechado (muitos apenas para outras meninas), no qual elas publicam posts genuínos, humanizados, não comerciais, mais reais, com aquele quê informal e sem filtros de Tiktok. A ideia é, basicamente, compartilhar o dia a dia como ele é, sem a necessidade de ser instagramável demais e sem o medo ou vergonha de ser assistida pelo crush da vez ou pela conhecida julgadora. Elas dão as regras, elas impõem os (menores) limites e elas voltam às origens das mídias sociais.
Rotina, estilo de vida, organização e qualquer momento cotidiano formam a base da tendência "insta-daily", algo que remete bastante ao movimento das redes sociais mais pessoais, um dos tópicos do mais recente dossiê Amo (Busi)News. Admito: meu eu de 22 anos ficou com vontade de aderir!
obs. sobre o modelo Daily, assista ao Tiktok de Mariana Pimentel.
Os médicos do Tiktok
Houve um tempo nem tão distante no qual o conselho federal de medicina (e outros conselhos de saúde) punia qualquer coisa que saísse do padrão estipulado lá atrás – mesmo que este "lá atrás" pudesse estar desatualizado em alguns aspectos. Mas os tempos rígidos demais parecem esta afrouxando rapidamente. O caso em questão aconteceu nos Estados Unidos, mas não seria nada surpreendente se fosse brasileiro.
A cirurgiã plástica Katherine Roxanne Grawe, conhecida nas redes como "dra. Roxy", perdeu sua licença médica e foi multada em US$ 4.5 mil depois de uma investigação a respeito das LIVES que fazia no Tiktok DURANTE os procedimentos cirúrgicos em seus pacientes! Ao menos três deles tiveram complicações importantes, um dos quais depois de ter sua cirurgia transmitida ao vivo pela rede. No julgamento, a médica disse que "pretendia usar a mídia social para educar as pessoas sobre cirurgia plástica", mas pesou a favor de sua condenação o fato de que ela já havia sido advertida sobre a proteção da privacidade dos pacientes. As contas do insta, do tiktok e o site de doctor Roxy foram tirados do ar depois que o caso veio à tona.
Em tempo: você escolhe profissional de saúde por rede social? Eu admito que sou fã do conteúdo de alguns e amaria fazer um scan do cérebro com doc Daniel Amen (americano super midiático e autor de bestsellers). Ao mesmo tempo, me incomodo quando vejo psicólogas narrando exemplos em vídeos e penso que, com minha mania leonina de ver a vida, não saberia lidar com uma terapeuta instagrammer – ia achar que tudo era indireta pra mim! Como encontrar a medida ética e equilibrada na era da vitrine digital?
Microinfluência na mira – de novo!
imagem Ivy Liu para Digiday
O começo do marketing de influência, no início da década passada, era extremamente focado em grandes nomes com bases parrudas como plateia. Mas cada vez mais o cenário parece mudar: "mais da metade dos profissionais de marketing que investem em influenciadores estão trabalhando com microinfluenciadores, de acordo com a plataforma HubSpot", apontou a matéria do Digiday.
A transformação tem, claro, ligação com as taxas de engajamento. Se influencers têm algo entre 1% e 3%, nos micro o volume começa em 5% ou mais – a mesma matéria conta que criadores com menos de 100k seguidores geram até 60% mais engajamento do que aqueles com números maiores, graças a uma percepção (do público) como mais autênticos, mais adequados para alcançar nichos e mais envolvidos com suas comunidades.
A diversificação da verba é outro ponto positivo listado no texto: "um anunciante pode esticar ainda mais seus dólares, gastando entre vários influenciadores, em vez de colocar todos os ovos na mesma cesta com uma celebridade de grande nome". Isto não significa, no entanto, que os grandes perderão espaço no mercado publicitário – redes e agências tenderiam a mixar os dois perfis, de modo a não se tornarem dependentes de apenas um deles.
Em um mercado que fortaleceu-se há menos de uma década, ainda existe muito mais "tentativa e erro" do que verdades absolutas. A própria matéria que serve de fonte para este texto conclui que "anunciantes estão aprendendo que não existe uma abordagem única e infalível para trabalhar com influenciadores". No fim das contas, tudo depende de uma série de variáveis, como o público certo para o produto certo no formato certo no momento certo. A conexão genuína entre contratante e contratado parece mesmo ser a única questão inegociável para campanhas de sucesso.
Sim, fizeram o curso de Threads!
imagem via Manual do Usuário
Quem apostava que em um mês já teriam criado um curso sobre o Threads, ferramenta digital lançada pela Meta na semana passada, errou. Os gurus digitais não precisaram nem de 24 horas para colocarem o produto à venda:
"Incrédulo, abri o marketplace do Hotmart e pesquisei por 'threads'. Não havia um, mas sim uma dúzia de cursos do tipo nos resultados, com promessas absurdas de revelar supostos segredos do Threads para os negócios, para viralizar, para vender… enfim, para se dar bem no puxadinho recém-inaugurado do Zuckerberg. Os valores variavam de R$ 6,99 a R$ 227,63.", Rodrigo Ghedin, no site Manual do Usuário.
Ghedin, do Manual do Usuário, teve a generosidade de, em nome do jornalismo, inscrever-se em dois deles, incluindo aquele que trazia como “leitura recomendada” a Bíblia Sagrada (???). O texto completo é uma crítica valiosa sobre o mundo do enriquecimento por meio da venda de produtos digitais. Obviamente, pouco (ou quase nada) havia a ser dito sobre uma ferramenta com menos de um dia de existência. E a falta total de filtro das plataformas de vendas de cursos não parecem ter o intuito de barrar nada "só por esta razão".
Poderia ser um meme, mas é uma realidade...
Post scriptum: ainda dá pra falar da Barbie?!
Eu já estou em estado de overdose de pink (guardando a energia que resta antes de enjoar de vez para assistir ao filme em si), mas caso haja espaço para ver algo, dê play no vídeo da Fast Company sobre a onipresença de marcas e empresas neste cobranding em looping!
Ainda dá tempo de garantir seu lugar no 1º Amo News Insiders, o evento de conteúdo e networking que leva para o formato presencial o clima desta newsletter. Ele acontece no próximo dia 10 em São Paulo e todos os detalhes podem ser acessados no botão abaixo.
Boa reflexão! Já tendo trabalhado com influencers e em agência, também ouvi muito esse discurso de “parceria”. E, parabéns, vejo que vc está desenvolvendo um modelo de negócio muito consistente aqui no Substack. Modelo a ser seguido. 👏🏼
Eu trabalho muito de graça. Escrevo uma newsletter, um blog, sou dona de casa e mãe...
Imediatamente tenho crise existencial!!!