O criativo precisa passear
Quem trabalha criando de alguma forma com certeza já passou pelo famoso bloqueio de ideias – algo que parece ainda mais comum nesta era tão barulhenta. O remédio pode ser levar-se para um passeio...
Já escrevi no ano passado sobre minha não obsessão por viagens. Nem me refiro apenas a viagens longas, distantes, completamente fora de qualquer resquício de rotina: mesmo um bate-volta para uma cidade próxima já conta como viagem – para o bem e para o mal – na minha avaliação. E, quem diria, até meu Rio de Janeiro (que pra mim ainda é mais casa do que SP) acaba entrando na fila da preguiça, do "será que vou?", do "tô tão cansada para sair da rotina justo agora"...
Mas toda dúvida se dissipa quando a chavinha vira no momento em que o carro entra no Aterro – via de chegada para quem desembarca no aeroporto Santos Dumont. É como se, já ali, em questão de minutos, eu me visse como outra pessoa, com outras ideias, com novas ambições, planos e metas. E é impossível não me lembrar da ideia do "Leve seu artista para um passeio semanal" proposta no livro Caminho do Artista.
Nem sou uma grande entusiasta da obra de Julia Cameron, autora do famoso livro que acompanha tantos criativos. Brinco que, em vez de 12 semanas, levei "12 anos" para terminar a leitura de sua mais vendida publicação. Por Write for Life, o mais recente, eu apenas passeei em modo dinâmico, achando bem parecido com seu antecessor famoso; A Arte da Escuta? Segue na fila de espera. Mas a ideia de levar nosso artista interior para um passeio semanal... como faz sentido!
Mesmo amantes da boa rotina, como eu, podem ser engolidos por ela de modo a perder até a capacidade criativa. O passeio da teoria de Julia, que pode ser de uma ida à papelaria a uma tarde em um museu ou um curso livre, dá um reset em nossa mente, tirando-nos do lugar comum do "todo dia ela faz tudo sempre igual".
Vivi um FOMO danado querendo fazer 50 anos em cinco (dias) nesta semana no Rio – efeito de estar há cinco meses sem ir à minha cidade favorita no mundo. Mas indo a lugares familiares ou conhecendo novos cenários, senti tudo dentro de mim sacudir: pra onde estou indo no trabalho e na vida, o que (e como) estou fazendo, de que forma posso me sair melhor aqui ou ali; tudo é afetado quando a gente se distancia por dias (ou horas) do nosso habitat natural.
O lado negativo da rotina é a frequente armadilha de ver-se preso em uma zona de conforto. Em muitos sentidos. Naquela que inclui até o famoso bloqueio criativo, seja para produzir um texto ou para pensar no "rumo que a vida tomou, no trabalho e no amor" (licença, Lulu Santos!). Afastar-se – de si, dos seus, de suas próprias ideias automáticas – é o tal passeio com o artista. E Julia Cameron não estava exagerando quando falava de seu poder para as mentes criativas...
{Também nesta edição: a moda da gen Z que está passando para os mais velhos (e uma razão de saúde pode estar por trás); até onde vão – para o bem e para o mal – os influencers; quiet luxury não é tendência e por que os gringos só querem falar de Brasil nas redes sociais.}