A pandemia, os planos perdidos e a exaustão...
Calma, não somos ruins nem estamos fracassando; somos apenas pessoas cansadas!
Título à parte, este não é um texto pessimista. E nem poderia ser, afinal, já falei aqui, sou "irritantemente otimista". Mas é certo que algo anda meio errado: vemos em postagens, em papos, em textos de nossos escritores favoritos – é como se fosse a "semana do saco cheio" dos tempos de escola em versão para adultos e com duração (bem) superior a sete dias.
Notando esta sensação coletiva, fiquei mais atenta. De radar ligado, foi ainda mais inevitável ver manifestações que reforçam o movimento. Até que li, dia desses aqui no Notes, uns prints de um papo de uma pessoa que narrava sentir-se meio perdida e era abençoada com a resposta de "acho que você só está exausta, normal depois de ter feito coisa demais e do stress de uma pandemia".
Bingo! Quatro anos atrás vivemos algo sem precedentes, que se estendeu por muito mais tempo do que poderíamos supor. Inclusive a esta altura do ano, em 2020, estávamos apenas no começo de um período de muitas ondas revoltas que ainda viriam por mais de 12 meses (variante ômicron devastadora janeiro/22, eu provei!). E não nos damos conta. É como se por algum mecanismo de autoproteção tivéssemos apagado da nossa mente consciente tanta incerteza, tanta necessidade de reinvenção a fórceps, tantos movimentos e pausas não programados. Foi uma lacuna, durante a qual íamos só vivendo um dia depois do outro acreditando que "faltava pouco". E nunca faltava pouco, mas só agora sabemos. Lembro-me de ir a uma consulta de rotina em janeiro de 2021, logo que as primeiras vacinas foram liberadas no mundo, e ouvir do médico que a normalidade só voltaria em 2024 – claro que, com meu otimismo nato, saí de lá achando que ele era um lunático fatalista.
Comecei 2020 com um caderninho de planos todo organizado e completo. Corta para menos de três meses depois, quando me vi TENDO que fazer tudo (e muito!) no susto. Querendo ou sem querer, sabendo ou sem saber, pensando ou sem ter sequer tempo pra pensar. Foi um caldo no qual ficamos submersos por muito tempo em apneia, sem nunca ter feito "curso de mergulho", e do qual só levantamos pra dar uma rápida respirada mais de um ano depois – por pouco tempo, porque mais duas ou três ondas fortes estavam ainda por vir.
"Status atual: furando ondas. (...) Eis aqui mais uma lembrança bem carioca. O mar nas praias do Rio de Janeiro não pode ser definido como em boa parte das praias: calminho OU com ondas fortes. Ele pode estar uma piscininha num dia e, já no dia seguinte, com correntezas ou ondas super revoltas. Com alguma frequência todos esses cenários podem se repetir em uma mesma manhã. Lembro bem quando a gente estava dentro da água passando uma ou outra marolinha e enxergava a onda gigantesca vindo. Tínhamos poucos segundos para nadar mais pra dentro, de modo a conseguir furar essa onda gigantesca a tempo (um mini erro de cálculo seria suficiente para levar o tal do caixote). O que a gente também aprendia muito cedo morando no Rio é que essa onda gigantesca nunca vem sozinha. Na sequência dela, pode apostar, viriam ao menos algumas de suas primas, tão grandes ou até maiores.(...) É um tal de levantar depois de furar com sucesso uma onda gigante e perceber que a próxima já está armada... A sensação é de que mal dá tempo de tomar fôlego (...)", texto escrito (está arquivado) para meu instagram @alegarattoni em 29 de julho de 2020"
Como achar que uma cabeça humana sairia normal disso? Podemos ter apagado detalhes, podemos ter mentalmente encurtado os tempos, a quantidade de ondas e até o efeito direto de tudo isto nos nossos cérebros. Mas as cicatrizes emocionais, em diferentes graus, ficam. O estado de alerta constante balançou o equilíbrio de todo mundo, talvez pra sempre, mesmo que não notemos. E a conta deste estresse talvez tenha sido paga com títulos de vencimento futuro que só agora começam a dar as caras.
Se você está exausto (alguém não está?), eu não tenho um conselho; se você sente-se perdido, posso apenas acrescentar que 100% "achado" ninguém está ainda – e talvez jamais venha a estar, nem sob olhares irritantemente otimistas. A única notícia talvez boa? É comum, é esperado, é até normal. Por muitas de nossas próximas gerações teremos licença poética repetir: "estou cansada, eu sobrevivi a uma pandemia"!